A nossa reflexão de hoje nos convida a dar segmento à opção que fizemos na semana anterior. Começamos um novo ciclo em nossa vida. Estamos nos propondo a fazer uma caminhada de sobriedade. Neste espaço sempre vamos colocar sobre os acontecimentos do nosso dia-a-dia, o que nos fizeram chegar até aqui, que tipo de situação desagradável estamos passando para que nos voltássemos à questão da sobriedade. Muitos buscam a Pastoral para tentar preencher uma lacuna que precisa ser encarada, ao invés de ser esquecida. É aprendendo a lidar com a problemática das drogas que termos condições de enfrentá-las. É buscando forças na fé e exercitando as orações, que conseguimos ter fôlego para mergulhar e desatar os nós dessas dificuldades. É fazendo praticas nunca antes investidas, que encontraremos novos caminhos a percorrer.
Na semana passada, com o Passo Admitir, colocamos às claras as nossas decisões de procurarmos ser uma pessoa melhor diante de Deus. Olhamos para dentro de nós e buscamos ver o que realmente nos faltava. Procuramos o nosso próprio vazio e verificamos o que nos levou a esse vazio. No meio de toda essa aflição, o mais cômodo foi responsabilizar aqueles que cooperaram para que esse sofrimento aumentasse, mas sobriamente identificamos também nossas contribuições. E nesse processo de reestruturação, são exatamente essas ações que vieram de nós mesmos, que podemos modificar.
No começo deste ciclo abordamos sobre a família, onde começa o principal relacionamento. É lá que damos os primeiros passos e onde nos são apresentadas as situações com as quais vamos lidar. Vamos aprendendo a dar conta das nossas necessidades e aprendemos a manter contato com os outros através da linguagem. É a nossa família quem nos dá o suporte necessário para depois sairmos daquele primeiro núcleo. Contudo é importante lembrar que ao sair deste primeiro núcleo aprendemos outras coisas. Novas informações vão-se agregando e vamos fazendo novas escolhas. Porém, a família se mantém e será eternamente o nosso primeiro núcleo.
Neste núcleo se instalam as primeiras relações, as mais abrangentes e as que se eternizam, pois crescemos e todos os nossos rituais incluem a família. Formamos outra família e não nos desfazemos da primeira. Criamos novos laços, mas não desatamos os primeiros. Então, é muito comum que as nossas questões tenham o envolvimento da família. E ainda bem que ela não se dispersa com facilidade, pois teríamos grande dificuldade em resgatar e resolver os problemas familiares se elas se dissolvessem como os nossos amigos que estão em nosso coração, mas cada um vive a sua vida e às vezes se distancia até nunca mais, ficando só a lembrança.
Quando focamos o problema, vemos que não o vivemos sozinhos. Se existe um sofrer, ele tem contribuição ativa de mais de uma parte. Se ele precisa ser resolvido, devemos começar pela parte que nos cabe. Devemos começar pelo começo, como é dita uma frase bem pobre na sua colocação: começar pelo começo. E onde se começa? Com os erros anteriores? Começa pelo outro? Começa pela ação ou pela falta dela? Começa pela culpa? Não, pela culpa a gente abafa o caso e não resolve. Pela culpa a gente pune os culpados e não resolve. Pela culpa a gente não exercita o perdão. Por onde começar, então? Pelo começo.
O que quer dizer o começo? Quer dizer que primeiro temos que identificar o que nos aflige. Depois verificar o que nos cabia fazer. Se fizemos e não resolveu, devemos avaliar o que faltou fazer. Se foi feito tudo o que estava ao nosso alcance a ainda assim não conseguimos contornar a situação e não sabemos mais como agir, está na hora de procurar auxílio, informação e apoio daqueles que estão prontos a ajudar. Curioso é que chegando até aqui, vamos propor o retorno da caminhada, agora focando a visão para outro ponto que somos nós mesmos, por que até então, tentava-se resolver a situação focando as atitudes do outro, os problemas do outro, os vícios do outro, os defeitos do outro e as consequências que o outro trazia para essa relação, para essa falta de estrutura.
Nesta caminhada de vida nova vamos aprender a trabalhar em nós mesmos. Sabe como fazemos com a mexerica para comê-la ou como fazemos com o cadarço para usar os sapatos ou tênis? Então, vamos ter que nos rasgar para sentir o que realmente há dentro de nós, assim como a mexerica. Em alguns momentos vamos ter que amarrar ou nos colocar limite, para que possamos dar novos passos, assim como fazemos com os sapatos. Aprender a fazer o que antes não sabíamos fazer sozinhos ou ainda reaprender de forma diferente sobre o nosso agir. A fórmula está em nós. Conhecemos a nossa maneira de ser e conhecemos onde somos turrões, onde não queremos mexer. E é exatamente por aí que devemos começar. Pelo começo. É aí que começa uma meada desestruturada, que foi se tornando um grande novelo, nos sufocando, nos fazendo distanciar do nosso principal propósito. E qual é esse propósito?
Cada um tem o seu ideal de felicidade. Mas devemos nos lembrar que a nossa vida sem Deus, ela é quase desumana. Precisamos de um referencial, de um cuidador. Vejam a figura do pai numa família. Todos defendem que ele tem um papel fundamental. A promessa de obediência, vista na reflexão da semana passada requer de nós uma consciência sobre as ações coerentes e assertivas para que não soframos desnecessariamente. O papel de Deus não é viver a nossa vida, mas sim ser um ponto de partida, a chave que gira, que destranca para avançarmos além da porta.
Quando assumimos a atitude de mudança, devemos fazê-lo tomados de algo que nos dê suporte, que nos ajude a dar força, como que enxergando com lentes mais limpas, livres das sujeiras que estão incrustadas no nosso coração. Deus é o Pai que nos orienta, que nos liberta do ambiente escuro, cheio de mofos e sufocante que nos trancamos. Em algumas situações, nos mantivemos neste lugar tão difícil porque não fazemos idéia do que tem além disso e temos muito medo de enfrentar o que vem a seguir, pois para isso já estamos acostumado. É impressionante como nos acostumamos a sofrer e não nos damos oportunidade de seguir em outra direção.
Vale lembrar que tomar conhecimento da nossa fraqueza não é uma vergonha. Lutar pela capacidade de resolver os nossos problemas, menos ainda. Acreditar que podemos afastar a angústia e o sofrimento é um degrau que podemos subir sem receios. Mas não vamos muito longe se não confiarmos num Pai que nos acolhe nas horas difíceis, que nos toma pelo braço e nos embala, tomando conta de nós na hora da dor. Ai essa dor que tanto nos consome. É dessa mesma que coloco neste momento. Devemos confiar no norte que Deus nos propõe. Fazer na hora de fazer, ouvir na hora de ouvir, descansar na hora de descansar, mas confiar sempre. Não temos como dar continuidade a esta caminhada se não vivenciarmos este Passo.
Malena Andrade – Psicóloga assessora da Pastoral da Sobriedade da Diocese de Blumenau