A culpa
Inegavelmente , em algum momento, o homem e a mulher deparam-se com a culpa. Afirmam os psicólogos, por exemplo, que, quando os pais litigam, o filho, a filha, sentem-se culpados, absorvem essa culpa . Reagem, então, com a tristeza, baixa estima, deixando de se alimentar, diminuindo o rendimento escolar. Mesmo em adultos, a culpa gera mal-estar, incomunicabilidade, medo, e pode chegar a graves quadros de depressão.
A culpa tem também seu lado positivo. Um adolescente foi ao supermercado e não se dominou diante de uma barra de chocolate. Flagrado, pelos funcionários, teve que devolver o pequeno objeto furtado e passar pela humilhante repreensão, além da ameaça se voltasse a repetir o delito. Passados uns 30 anos, o menino de outrora reconhecia que aquele fato acordara-o para a importância do respeito pelo alheio. Orgulhava-se, então, dos cargos de reponsabilidade que, em seus ambientes de trabalho lhe eram confiados, inclusive com boas remunerações.
Nem sempre um pequeno deslize tem esse efeito pedagógico positivo. Existem pessoas que, mesmo advertidos, vão repetindo atitudes delituosas. Aos poucos, isso vai se tornando mau hábito. E pode passar ao vício incontrolável, cujo desfecho ruma para a prisão, a tragédia, a doença, a morte.
Desde pequeno, o ser humano, deve ser educado para lidar positivamente com a culpa. Os bons exemplos e os conselhos dos pais, dos educadores, favorecem muito a conquista dessa elevada, sumamente benéfica, sabedoria.
No entanto, a sensação de culpa é inerente à natureza humana. Logo ao serem criados, Adão e Eva deparam-se com a culpa por terem desobedecido a Deus. E tiveram de sofrer as consequências da sua transgressão, do seu pecado. Recebem, porém, o conforto do Criador e Pai: Vocês receberão um Salvador (Cf Gn 3,15), isto é, Alguém que os livrará da dor e das consequências dessa culpa.
Neste final e semana, 9 e 10 de março, na liturgia católica, como Evangelho, lê-se a famosa parábola do “filho pródigo”, narrada pelo evangelista Lucas (15,11-32). Resumidamente, Jesus conta que um filho pediu ao seu pai a herança, abandonou a casa paterna e gastou tudo em divertimentos, inclusive em divertimentos ilícitos, degradantes. Vieram as inevitáveis consequências de tal procedimento: a vida depauperada, a fome, a situação indigna de uma pessoa, o abandono dos amigos. Sente saudades da casa do seu pai e resolve voltar. Chegando em casa, o pai o abraça e faz festa, dizendo: “Este meu filho estava perdido e foi encontrado”.
A vida humana é essencialmente essa festa. Que alegria celebrar o próprio aniversário ou aniversário dos familiares e amigos. Transborda a alegria de viver, apesar das lutas e dificuldades, inalienáveis à existência terrena.
Para isso, todavia, não há outro caminho: é preciso lidar sabiamente com a culpa. Tanto com a culpa original, aquela com a qual nascemos, como as manifestações dos nossos atos mais ou menos maldosos, pecaminosos.
Deus, que nos criou para sermos felizes, sempre nos espera, de braços abertos, que voltemos a Ele por uma vida segundo os seus preceitos, segundo o seu amor. Jesus Cristo, seu exemplo, sua Palavra, sua morte na cruz, é o caminho da reconciliação, não só com o mesmo Deus, mas também conosco mesmos, com os irmãos e com a natureza. Pois pecamos, e como, também contra a criação – as consequências estão aí, na poluição, no aquecimento global, na extinção de espécies vegetais e animais.
Não há culpa maior do que o amor de Deus por cada um e cada uma de nós. Basta acreditar, arrepender-se, converter-se para a vida nova, gratuita, abundante. Privilégio de todos os filhos e filhas do Criador e Pai.
Raul Kestring – Padre na Diocese de Blumenau